TALVEZ NOSSO PERSONAGEM NA HISTÓRIAACREDITE: o xadrez nos reserva histórias tão fantásticas e nos protagoniza casos incríveis que até o “Coisa Feia” é capaz de duvidar!

Esta aconteceu há uns anos em um dos muitos torneios promovidos pelo Bobby Fischer Xadrez Clube. Na época o clube tinha um convênio com uma grande rede de lojas aqui em Sant’Ana do Livramento, onde, pelo menos bi mensalmente éramos agraciados com brindes para darmos de prêmios nos torneios. Estes variavam entre simples cafeteiras, ferros de passar roupa, liquidificador, ou Furadeira. Só que esta alegria durou pouco. Um ano e meio quiçá – pois ambos os gerentes das respectivas lojas foram substituídos – isso para não dizer que foram demitidos. Motivo. Talvez uso indevido do cargo. Desvio de mercadoria. Bem, melhor não conjecturar e ir direto aos fatos.

O ANO: Um destes aí pelo passado recente. Vou procurar não dar muitos detalhes para não expor ao ridículo o protagonizador da façanha talvez comparada, apenas, à grande Odisseia de Ulysses. O que posso garantir é que o caso ocorreu ainda neste século XXI e em terras estrangeiras – no Uruguai.

Tudo iniciou quando “ele” respondeu um e-mail aceitado vir jogar um torneio aqui em Sant’Ana do Livramento. Antes, porém, ele não deixou de perguntar o que ele ganharia e quais seriam seus adversários. Esclarecidas estas dúvidas prontamente aceitou o convite.

A manhã estava muito fria. O relógio marcava exatamente 05h30min quando o ônibus chegou à modesta estação rodoviária da cidade (que vergonha, desde outrora nada mudou, a rodoviária segue no mesmo estado, sem nenhuma melhoria – talvez apenas tenham apenas colocado uma sala climatizada com acesso à internet e mais nada).

Não demorou muito para o coletivo estacionar. Aos poucos foram descendo um a um. Todos agasalhados até os olhos. Mas qual deles seria o famoso campeão que estava chegando para ratificar sua posição de primeiro do ranking gaúcho. Como era final de semana e normalmente desembarcavam muitos universitários que estudavam em outras cidades – qualquer um deles poderia ser o dito cujo.

No entanto logo o mistério começou a ser desvendado. Um personagem – mesmo com toda aquela aragem e usando luvas do estilo esquimó, cachecol e um casaco de respeito – que estranho, cobrindo e protegendo a careca desnuda absolutamente nada. Que nexo teria cobrir todo o corpo e deixar a cabeça de fora pegando frio.

De qualquer sorte ainda não estava convencido que “o meu homem” era aquele. Fiquei ainda observando a movimentação até que um detalhe revelou a identidade do ser tragicômico. Ao desembarcar as bagagens do maleiro do ônibus – desafortunadamente ele deixou cair uma sacola que espalhou um monte de peças de xadrez pelo chão que rolaram por entre os passageiros e algumas para debaixo do coletivo. Era ele. O cartão de apresentação não poderia ter sido mais desastrado.

Feitas as devidas apresentações e após perder um precioso tempo juntando as peças de xadrez ele colocou no ombro à tira colo uma bolsa marrom escuro e rumamos rapidamente até o Terminal Rodoviário de Rivera. Lá já deveria estar nos esperando outro grande jogador de xadrez – este sim, mestre. Aqui nada de anormal aconteceu. Para nossa sorte não tínhamos perdido o horário da chegada do “coche” leito. Melhor. Ficamos curtindo um pouco o amanhecer e conversando sobre, é lógico – xadrez. De suas conquistas, preferências de tipos de torneios e por aí à fora.

Próximo dali, a exatamente uma quadra – existe uma catedral. Foi neste preciso momento em que o ônibus apontou na esquina ouvimos o badalar dos sinos da igreja matriz de Rivera indicando que eram 06h00min da manhã daquele sábado do mês de, bem, deixemos mais detalhes para um momento oportuno.

Este novo visitante eu conhecia bem e não teria dificuldade em localizá-lo. Mas não o encontrei, pois foi ele que veio ao nosso encontro num misto de constrangimento e vergonha. Porque seria. Logo vi a razão de seu comportamento. Ele não esta só. Trouxera companhia. Era outro “craque” – este sim recomendável e do bem! Tudo estava em casa como diz o jargão popular. Os três já se conheciam. Estavam habituados a se enfrentarem em torneios válidos pelo ranking internacional. Ambos pertencem a uma elite do esporte que, se fizermos uma analogia seria o mesmo do que desembarcasse aqui na fronteira um craque como Falcão, Zico ou qualquer outro no gênero. Os caras eram bons mesmo (e ainda são). Qualificavam qualquer evento.

Levei-os ao hotel parceiro do BFXC e lá tomaram aquele hiper café da manhã e foram dar uma descansada nos quartos. Eu marquei buscá-los por volta das 11h00min para o almoço. No horário combinado cheguei ao saguão do hotel e os encontrei cercados por diversos turistas. Enquanto os uruguaios faziam força para poderem ser entendidos e faziam de conta que conversavam – o brasileiro pousava para muitas fotos. Realmente eles tiveram seus momentos de estrelato. Não interferi e observei calmamente a distancia o desenrolar dos acontecimentos. Quando tudo dissipou os chamei e fomos almoçar.

13h00min: Os jogadores aos poucos começam a chegar ao Clube SARANDI Universitário de Rivera. Porém o que chamou a atenção de muitos foi o comentário de um jogador brasileiro. Aquele lá do início desta narração. Ele simplesmente se mostrou indignado e não fez nenhuma cerimônia em externar isso a todos que estavam ali no momento. Disse assim, nestas palavras:- “pois é Nicola, legal esse prêmio para o campeão, mas não sei como levar no ônibus!!!”

Cabe aqui reavivar a memória do eventual leitor. Desta vez o primeiro prêmio era uma assadeira a gás, seguido de um cortador de gramas, uma Furadeira, liquidificador, ferro de passar e por aí em diante.

13h15min: Confirmação das inscrições e 15 minutos mais tarde iniciaria a cerimônia de abertura com momento cívico e o congresso técnico, mas antes, porém, a turma teve que aguentar toda a rasgação de seda e os discursos inúteis de algumas representações políticas – tanto do lado brasileiro quanto uruguaio; neste tocante, independente da nacionalidade ou do país, político é basicamente farinha do mesmo saco. Seus discursos são carregados de apelações e muitas promessas e falsidades.

13h45min: Finalmente a organização conseguiu ‘tirar’ o microfone dos ‘simpáticos’ e pediu para que os enxadristas ocupassem seus lugares conforme a ordem do emparceiramento que estava no telão. Telão? Sim. O Bobby Fischer Xadrez Clube dentre tantas novidades que implantou no xadrez desde 2001 – sendo pioneiro e reverência de organização, dentre elas o que, hoje, o xadrez do MERCOSUL adotou em alguns torneios – foi o da Maratona, onde as primeiras rodadas os tempos são de rápidas e crescendo na medida em que o emparceiramento ‘afunila’ e os grandes jogadores jogam entre si.

No entanto, apesar muitos clubes e federações ‘copiarem’ esta nova modalidade criada pelo presidente do Bobby Fischer – o jornalista Pedro Nicola – houve apenas um reconhecimento e acompanhado de uma homenagem. Aconteceu lá na cidade sul-mato-grossense de Corumbá onde o presidente da federação aquele Estado, professor Orlando Silvestre Filho, foi o primeiro grande dirigente a reconhecer e aprovar esta nova modalidade de disputa.

14h00min: “Se cumprimentem e joguem!” Ordenou o diretor geral do torneio. ‘TAC-tac, TAC-tac, TAC-tac… ’ eram os sons ouvidos dos relógios sendo acionados nas 50 mesas do salão vip de jogos do Clube SARANDI Universitário de Rivera. A partir daí silêncio quase que absoluto. Interrompido pelos mesmos “TAC-tac…” Só que agora não simultâneos. Como ocorre em todos os sistemas suíços em torneios de xadrez – nas primeiras rodadas forte enfrentam os fracos 1×51, 52×2, 2×53 e assim por diante até 50×100. Aqui os resultados são previsíveis. As primeiras rodadas sempre encerram antes do tempo se esgotar.

14h45min: Inicia a segunda rodada e ainda nada de novidade. Para quem ainda não matou a charada – o ritmo deste torneio era de 15 minutos por jogador perfazendo meia de partida.

17h00min: 5ª rodada e os bichos grandes começam a se enfrentar. Na mesa um o brasileiro que iria protagonizar a “Odisseia de Ulysses” enfrentou de brancas um dos uruguaios – aquele acompanhante que deixou nosso amigo, também MF uruguaio, ruborizado na chegada no Terminal de Ônibus em Rivera. O Massacre foi triste de se ver. Coitado do uruguaio. Não tinha nem como se defender do ataque arrasador do ‘Ulysses brasileiro’

17h45min: Num total de sete rodadas – inicia a penúltima tendo os dois grandes favoritos frente a frente. Um deles estaria fadado ao limbo da derrota e fora da luta pelo cobiçado prêmio de campeão. Estranhamente o ‘Ulysses brasileiro’ não esboçara nenhuma reação de cobiça pela assadeira a gás. Será que tinha alguma previsão antecipada de que encontraria a derrota diante do MF uruguaio? Por isto que estava frio – gelado, pálido?”

Que nada. Seu rosto sério, plácido e macilento estava assim de concentração. Suas preocupações estavam além dos problemas que observava no tabuleiro a sua frente. Sua mente voava. Ser derrotado. Jamais. Seria uma tragédia. Como iria explicar e enfrentar o problema e o grande drama que esta derrota acarretaria para ele.

O jogo não estava fácil. Mas também não era daqueles lá muito difíceis. Dava para o gasto. Tinha que manter a concentração. Era caso de vida ou morte. Pensou em pedir empate em determinado momento da partida – mas era meio ponto que poderia faltar na última rodada. Pensou em pedir um chá de camomila. Estava com crédito com o cantineiro do clube. Crédito, assim tão rápido – no mínimo estranho. Mas logo desistiu, pois poderia perder a concentração.

No frigir dos ovos foi o Mestre uruguaio que não se aguentou e levantou. Foi até ao banheiro, mas na passada sentiu sede e chegou à cantina para tomar um refrigerante de cola – igual aquela marca famosa. Uma imitação barata, pois os efeitos ele veio a sentir depois. Os escassos minutos que gastou entre caminhar e voltar até a mesa – intercalados entre um gole e outro foram o suficiente para conferir ao “Odisseu” gaúcho a vantagem que sempre explorou. Numa combinação perfeita o jogador tupiniquim passou um peão d7 que jamais seria possível Pará-lo. O uruguaio olhou para o relógio e seu desespero aumentou. Com um peão passado nas costas e com a agulha quase caindo – ele tinha uma única saída honrosa.

18h14min: De repente o silêncio do salão foi interrompido por um “óóóó” generalizado precedido um arrastar de cadeira e todas as atenções foram para a MESA UM. Apesar de a partida estar sendo transmitida para um telão – a peruada não se aguenta. Cercaram a mesa principal e dar o famoso palpite sobre os lances da partida. O mestre uruguaio tinha tomado a decisão sábia de abandonar. Mais tarde de cabeça fria comentou que sua derrota começara não apenas quando decidiu ir até a cantina, mas sim ter comprado a tal bebida de ‘Cola’ mais barata. Deu-lhe uma dor de cabeça infernal que, segundo garantiu ser verdade – impediu de raciocinar sobre o desenrolar da partida. Pelo menos foi este o argumento para derrota. Em nenhum momento deu crédito à vitória do herói gaúcho.

18h30min: Com a mão na taça iniciou a última rodada o Odisseu gaúcho. Bastava um empate para que ele com 6,5 pontos fosse o campeão e ainda mais que diante dele estava um jogador infinitamente mais fraco. Fraco? Se fosse tão débil como pensou ser – não estaria na mesa UM coroando sua vitória. Antes do início procurou ver o desempenho do adversário nas rodadas anteriores. Na 5ª ele havia jogado com seu “filho há pouco derrotado”. Seria uma mera formalidade de poucos minutos que ele deveria cumprir.

Interlúdio: Nunca o antigo ditado “Cautela e canja de galinha nunca fez mal a ninguém…” Mas parece que nosso ‘Odisseu’ não quis observar esse detalhe. Jogou molinho, presunçoso, prepotente – partida jogada. Ponto feito. Medalha de campeão no peito. Dinheiro garantido no bolso. Dinheiro? Mas nunca foi anunciado que teria prêmio em dinheiro. De onde o nosso herói tirou essa idéia? Como os pensamentos ainda são secretos vamos descobrir isso logo-logo.

Prelúdio: Odisseu levanta da mesa, caminha entre as outras, não se aguenta. Ri. Uns acham que está debochando. A Já não sente tanto frio como quando chegou de manhã cedo. Esta leve. Parecia andar nas nuvens. Ia e vinha da cantina. Pedia um pastel, um refrigerante (não dos falsificados) atrás do outro. Estava podendo. Que estranho pegava as coisas e nunca pagava. Realmente estava com crédito.

Só que numa dessas passadas pela sua mesa foi surpreendido com um presente que haviam deixado para ele. Um xeque nominal – e este estava assinado por seu adversário. Era um xeque cruzado. Tinha que ser depositado. Depositado, sim, mas não no banco comercial como conhecemos – mas em seu banco de memórias.

Antes, porém este xeque deveria ser visado e endossado pela organização do torneio. Nosso apoteótico personagem Odisseu não acreditava. Como estava nominal a ele e intransferível deveria ser entregue no caixa no valor de 1×0, assinado Xeque-Mate de bispo f6. Cabisbaixo estendeu a mão – cumprimentou o adversário e foi até o cantineiro. Atrás do balcão conversaram, gesticularam até emboçaram uma discussão. Nada de grave.

Epilogo: Com esta inesperada derrota Odisseu, é claro, não conseguiu sagrar-se campeão e viu o cobiçado prêmio do primeiro lugar esfumaçar em sua frente. Por um lado foi bom, pois, segundo ele mesmo previu – não teria como levar no ônibus. Um problema resolvido. Mas e o outro. O mais sério. E não menos delicado e de difícil solução.

Prevendo que a tal assadeira a gás seria dele num dos intervalos do torneio que procurou o cantineiro e propôs um negócio da china! Calculando que o tal eletrodoméstico custasse tantos reais convenceu o pobre dono do bar que, inclusive já até faleceu – a comprar por um bom preço e que poderia abater os custos dos lanches dele. Negócio das arábias pensou.

Acredite: – Odisseu negociou o prêmio antes do início do torneio. Ele calculou tudo – menos o fato de perder na última rodada. E agora teria que achar uma maneia de conseguir dinheiro para cobrir sua conta na cantina. Mas ele estava literalmente liso. Só que ele contou com a benevolência de seu algoz que resolveu pagar sua conta.

E agora – o que fazer!

A quem recorrer!?

Que vergonha sentiu!

Queria desaparecer.

Chamou o seu último adversário para um canto reservado do clube e se armou de toda coragem imaginável. Abriu o jogo. Ofereceu fundos e mundos em troca de uns trocados para pagar o cantineiro. E pior. O cantineiro tinha ficado tão feliz e convencido de ter feito um grande negócio que chegou a lhe adiantar uns pesos como garantia de negócio.

Esta história teve um final feliz graças ao bom censo e a compreensão de um enxadrista que já foi ranzinza e acertou as contas com o dono do bar. Este por sinal ficou com decepcionado e na ilusão. Enquanto esperamos que o nosso ODISSEU não apronte mais das suas, o que, sinceramente é pouco provável – o pobre do cantineiro para onde foi de mudança não precisará mais se preocupar com credores, devedores e afins.

Seu novo lar ostenta gravado na fachada: Setor A2, Quada14, Jaziro Perpétuo 0034/2005. E um lindo canteiro onde os amigos deixam algumas petúnias.

Os fatos narrados acima são verídicos em todos os seus detalhes. Nenhum fato fugiu da verdade. As identidades dos protagonistas foram preservadas, mas ao lerem esta crônica se reconhecerão.

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ABAIXO AS FOTOS,  NOSSO ODISSEU ESTÁ JOGANDO – TENTE LOCALIZA-LO !!!!  (se não carregar direito as fotos clique em F5)

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